- Recentemente fui entrevistado pela Revista JC, publicação denominacional das Assembléias de Deus no Brasil, dirigida aos jovens cristãos, a respeito dos jogos e brincadeiras nos tempos bíblicos. Pelo caráter e conteúdo histórico-cultural estou reproduzindo a entrevista que, embora não tenha sido publicada na íntegra pelo periódico, segue aqui com todos os termos. (Pr. Esdras Costa Bentho - RJ)
1)
Como era o lazer naquela época? Havia muitas opções? Era considerado
algo desnecessário ou importante na cultura hebraica? E em outras
culturas?
R.: Inicialmente, precisamos descrever que as Sagradas Escrituras não se ocupam do tema em apreço. Quando o salmista emprega o termo shā'a,
isto é, "recrear", "deleitar" ou "brincar" no Salmo 119.16, o faz em
sentido litúrgico ou teologal. A concepção greco-romana de "lazer",
"brincar", "esporte" ou "jogar" ou mesmo da antropologia filosófica que
trata do homo ludens (homem lúdico) é basicamente inexistente dentro do
ambiente judaico-cristão primitivo. Geralmente, o lúdico ou esportivo
era empregado como uma metáfora das verdades espirituais. 1 Coríntios
9.24, por exemplo, é uma prova contundente do que estamos afirmando.
A
labuta diária do judeu no Antigo Testamento não o permitia inclinar-se a
tal divertimento ou passatempo, sendo o sábado, um dia de repouso e, as
festas religiosas, uma ocasião de estímulo e adoração. Isto não quer
dizer que os hebreus desconheciam brincadeiras, parlendas ou jogos. Os
jogos e a busca de lazer eram basicamente ocupados pelas atividades e
festas religiosas.
Engana-se
quem pensa que o judeu comum era triste, cabisbaixo. Pelo contrário,
era alegre, divertidíssimo. A música e a dança constituíam-se elementos
culturais fortíssimos entre os hebreus do AT. No entanto, no período
interbíblico alguns judeus helenistas, obedecendo a Antíoco Epífanes,
introduziram em Jerusalém uma praça de esporte, ato considerado pagão
pelos patrícios mais conservadores. Como é perceptível, os judeus da
Antiguidade davam pouco valor aos jogos (jocus, gracejo, graça, zombar), e não se ocupavam com o lúdico (ludus, divertimento, passatempo). Considere que a palavra "brincar", no hebraico, śāchaq, tem um sentido positivo (brincar, divertir-se) e negativo (zombar, rir com deboche, ridicularizar).
O
amor aos jogos, esportes e ao lúdico era considerado um ato vulgar ou
irreligioso para o hebreu. As crianças não eram proibidas de brincar e
desenvolver seus jogos particulares, mas deveriam tomar todo cuidado
para que as brincadeiras não fossem irreverentes, sacrílegas, ou que
ofendessem a moral ou a santidade divina (Lv 24.11,16). Os hebreus
costumavam evitar certos gracejos maliciosos. Mas é possível que os
hebreus de família abastada desfrutassem de certos jogos, como o arco e
flecha, a caça entre outros e, que as atividades, como o treinamento
militar, também incluíssem nos intervalos jogos ou brincadeiras
correlatas.
Já
entre os outros povos do Oriente Próximo, os esportes e jogos eram mais
freqüentes. Diversas iconografias atestam que o jogo de damas, de
dados, o malabarismo com bolas, e até mesmo jogos de azar eram muito
freqüentes entre os egípcios e os povos mesopotâmicos.
2) Quais as formas de diversões para jovens, adultos e crianças?
R.: Os
jogos infantis não eram tão diferentes daqueles que as crianças ainda
hoje continuam a jogar e brincar. Muitos jogos e brincadeiras infantis
eram reflexos daqueles praticados pelos adultos. A rua era um espaço
para a brincadeira e mimetização dos adultos.
O
profeta Zacarias (8.5), referindo-se às bênçãos futuras de Israel,
afirma que "as ruas se encherão de meninos e meninas, que nelas
brincarão". Isto indica que durante certo período o brincar nas ruas era
muito perigoso em função das constantes guerras, transferindo esse
espaço do brincar para dentro das casas. Mas, em dias de paz, as
brincadeiras e jogos eram praticados nas ruas.
O
próprio Jesus faz referência às brincadeiras infantis nas ruas e praças
(Mt 11.16,17). Segundo o texto mateano, as crianças brincavam de "tocar
flauta", "danças" e, transgressoras como são do mundo dos adultos,
imitavam as carpideiras que choramingavam nos velórios. Você já imaginou
um grupo de crianças mimetizando essas profissionais do pranto? Com
certeza era muito hilário. As crianças costumavam brincar com os animais
(Jó 41.5), bolas de gude, uma forma de amarelinha, assobios, chocalhos
feitos de cerâmica e pedrinhas, jogos de tabuleiro também eram muito
freqüentes. Um desses jogos, conhecido como Jogo Real de Ur, data de 1800 aC.
Os jogos como os mancalas (jogos de tabuleiro), muito conhecidos na
África, estavam presentes no cotidiano das crianças hebréias.
A
vida dos jovens e adultos também refletia a realidade e o contexto em
que viviam. As festas sabáticas, os cânticos, as músicas e as danças,
arco e flecha, propor enigmas e jogos de prendas eram os tipos de
diversões mais comuns entre eles. Em o Novo Testamento,
Mateus 27.27-31, menciona um jogo muito conhecido entre os adultos, o
"Basileu". Neste jogo, o pino de madeira que o jogador usava para
movimentar-se nas linhas marcadas no chão, foi substituído pelo próprio
Senhor! Ainda hoje temos registros desses jogos em Jerusalém.
3)
Havia brincadeiras que não eram permitidas ao povo de Deus por serem
consideradas profanas ou mesmo por terem origem em outros povos? (até um
tempo atrás algumas formas de diversão eram proibidas por nossa própria
denominação e até hoje são tabus com jogar bola e certos tipos de jogos
em tabuleiros, assistir televisão... Naquela época também havia
restrições deste tipo?)
R.:
Havia sim. As brincadeiras com bonecos e bonecas não eram freqüentes ou
permitidos entre os judeus. Embora muito comum entre os egípcios,
canaanitas e mesopotâmicos, o hebreu procurava evitar, em função do
mandamento de Êx 20.4, essas representações.
A
idolatria era tão comum entre os povos antigos que, às vezes, os
historiadores e arqueólogos têm dificuldade em afirmar quando se trata
de um brinquedo ou um ídolo para adoração. Todo e qualquer brinquedo
esculpido era proibido entre os hebreus. Brinquedos que continham em seu
bojo o elemento divinatório também eram proibidos pelos judeus. Brincar
de adivinhação, fazer gracejos com coisas sagradas eram terminantemente
proibidos. Outro brinquedo não muito utilizável entre os hebreus dos
tempos bíblicos, era o dado ou congênere. Embora os arqueólogos tenham
encontrado no território judeu alguns dados, isso não significa que eles
eram usados com freqüência nos jogos profanos, uma vez que possuía
certo caráter sagrado.
A imagem que ilustra este tema não representa os templos bíblicos.
Fonte: http://teologiaegraca.blogspot.com.br