Rodrigo P. Silva
Das muitas definições dadas à Bíblia, é provável que uma das
mais interessantes tenha sido a de Gerald Wheeler que definiu a inspiração como
“Deus falando com sotaque humano”. De fato, a Bíblia é a Palavra do Altíssimo
entrando em nossa história e participando ativamente dela.
Logo, seria interessante lembrar que as Escrituras Sagradas
não nasceram num vácuo histórico. Elas possuem um contexto cultural que as
antecede e envolve. Suas épocas, seus costumes e sua língua podem parecer
estranhos a nós que vivemos num tempo e geografia bem distantes daqueles
fantásticos acontecimentos, mesmo assim são importantíssimos para um
entendimento saudável da mensagem que elas contêm.
Como poderíamos, então, voltar a esse passado
escriturístico? Afinal, máquinas do tempo não existem e idéias fictícias seriam
de pouco valor nesta jornada. A solução talvez esteja numa das mais brilhantes
ciências dos últimos tempos: a Arqueologia do Antigo Oriente Médio.
Usada com prudência e exatidão, a Arqueologia poderá ser uma
grande ferramenta de estudo não apenas para contextualizar corretamente
determinadas passagens da Bíblia, mas também para confirmar a historicidade do
seu relato. É claro que não poderemos com a pá do arqueólogo provar doutrinas
como a divindade de Cristo ou o Juízo final de Deus sobre os homens. Esses são
elementos que demandam fé da parte do leitor. Contudo, é possível – através dos
achados – verificar se as histórias da Bíblia realmente aconteceram ou se tudo
não passou de uma lenda. Aí, fica óbvio o axioma filosófico: se a história
bíblica é real, a teologia que se assenta sobre essa história também o será.
Talvez seja por isso que ao invés de inspirar a produção de um manual de
Teologia, Deus soprou aos profetas a idéia de escreverem um livro de histórias
que confirmassem a ação divina em meio aos acontecimentos da humanidade.
Como tudo começou
Dizer exatamente quando começou a arqueologia bíblica não é
tarefa fácil. Na verdade, desde os primeiros séculos da era cristã já havia
pessoas que se aventuravam na arte de tirar da terra tesouros relacionados à
história da Bíblia Sagrada. Helena, a mãe de Constantino, foi uma dessas
“pioneiras” que numa peregrinação à Terra Santa demarcou com igrejas vários
locais sagrados onde supunham ter ocorrido algum evento especial. Muitos destes
locais servem até hoje de ponto turístico no Oriente Médio.
As técnicas porém desses primeiros empreendimentos eram
bastante duvidosas e o fervor piedoso levava as pessoas a verem coisas que na
verdade nem existiam. Aparições de santos, sonhos e impressões eram o
suficiente para demarcar um local como sendo o exato lugar da crucifixão ou do
nascimento de Cristo.
Mas a partir do final do século XIII, a arqueologia das
Terras Bíblicas começou finalmente a ter ares de maior rigor científico. A descoberta
acidental da Pedra de Roseta, ocorrida em 1798, levou vários especialistas a se
interessarem pela história do Egito, da Mesopotâmia e da Palestina, descobrindo
um passado que há muito se tinha por perdido.
Babilônia, Nínive, Ur e Jericó foram apenas algumas das
muitas localidades que começaram a ser escavadas revelando importantes aspectos
da narrativa bíblica. Para os críticos que na ocasião levantavam argumentos
racionalistas contra a Palavra de Deus, os novos achados representavam um
grande problema, pois desmentiam seus arrazoados confirmando vários elementos
do Antigo e do Novo Testamento.
Um exemplo pode ser visto no próprio ceticismo com que
encaravam a existência de uma cidade chamada Babilônia. Muitos pensavam que tal
reino jamais existira. Era apenas o fruto mitológico da mente de antigos
escritores como Heródoto e os profetas canônicos. Até que, finalmente, suas
ruínas foram desenterradas em 1899 pelo explorador alemão Robert Koldewey, que
demorou pelo menos 14 anos para escavar as suas estruturas.
Mais tarde veio a descoberta de várias inscrições
cuneiformes que revelaram o nome de pelo menos dois personagens mencionados no
livro de Daniel, cuja historicidade também tinha sido questionada pelos
céticos. O primeiro foi Nabucodonosor, o rei do sonho esquecido e o segundo,
Belsazar que viu sua sentença de morte escrita com letras de fogo nas paredes
de seu palácio.
Contribuições adicionais
Além de ajudar tremendamente na confirmação de episódios
descritos na Bíblia, a arqueologia presta um grande serviço ao estudo
elucidativo de determinadas passagens. Graças a ela, é possível reconhecer o
porquê de alguns comportamentos estranhos à nossa cultura. É o caso de Raquel
roubando deliberadamente os “ídolos do lar” que pertenciam a Labão, seu pai (Gn
31:34). Aparentemente o delito parecia ter um fim religioso, mas antigos
códigos de lei sumerianos revelaram que naquela época a posse de pequenos
ídolos do lar (comumente chamados de Terafim) era o certificado de propriedade
que alguém precisava para firmar-se dono de uma terra. Caso os ídolos fossem
parar nas mãos de outra pessoa, essa se tornava automaticamente a proprietária
dos terrenos que eles demarcavam. Por serem pequenos, poderiam facilmente ser
roubados e cabia ao dono o cuidado de guardá-los para não ser lesado. Foi
portanto num descuido de Labão que Raquel roubou seus ídolos (ou seja suas
escrituras) com o fim de entregá-los posteriormente a Jacó, e fazer dele o novo
senhor daquelas terras. Tratava-se, portanto, de uma tentativa de indenização do
esposo pelo engano que o levou a sete anos extras de trabalho nas terras de seu
pai.
Várias palavras e expressões antigas também tiveram seu
significado esclarecido pelo trabalho da arqueologia. O nome de Moisés, que
certamente não era de origem hebraica pode ter sua explicação na raiz do verbo
egípcio ms-n que significa “nascer ou nascido de”. Não é por menos que muitos
faraós e nobres da corte egípcia tinham o seu apelido formado pela junção desse
verbo e do nome de uma divindade. Por exemplo: Ahmose (“nascido de Ah, o deus
da lua”); Ramose (“nascido de Rá, o deus sol”), Thutmose (“nascido de Thot,
outra forma do deus da lua”). É possível que Moisés (ou em Egípcio Mose) também
tivesse originalmente o nome de um deus local acoplado ao seu próprio nome. Talvez
fosse Hapimose (o deus do Nilo) uma vez que, de acordo com Êxodo 2:10, a rainha
escolheu chamá-lo assim, porque das águas do Nilo o havia tirado.
Uma embaraçosa situação entre Jesus e um discípulo também
pode ser esclarecida pela arqueologia. Trata-se do episódio descrito em Lucas
9:59, onde o Senhor aparentemente nega a um jovem que queria seguir-lhe o
direito de sepultar o seu próprio pai. Olhando pela cultura moderna ocidental,
dá-se a impressão que o pai do moço estava morto em um velório e que ele
estaria pedindo apenas algumas “horas” a Cristo para que pudesse seguir o
féretro e, logo em seguida, partir com o Senhor. Um pedido, a princípio, bastante
justo para não ser atendido!
Mas as dificuldades se esvaem quando entendemos pelo resgate
arqueológico que, naquela época (e também hoje, nalguns idiomas como o árabe e
o siríaco), a expressão “sepultar o meu pai” seria um idiomatismo que nem de
longe indicava que seu pai houvesse recentemente morrido! Tanto o é que o
episódio se dá “caminho fora” (Lc. 9:57). Se o pai do jovem houvesse morrido o
que estaria ele fazendo à beira da estrada? Na verdade, essa expressão
idiomática significava que o pai estava sadio e feliz e que seu filho prometia
sair de casa apenas depois que ele morresse.
Ademais, segundo o costume oriental, quando o pai morria, o
filho mais velho ficava encarregado do seu sepultamento, mas esse também não
ocorria imediatamente após a sua morte. Primeiramente o corpo era banhado,
perfumado e envolvido num lençol para ser depositado numa gruta tumular onde
ficava deitado sobre uma cama de pedra por um ano ou mais até que a carne
houvesse completamente sido decomposta restando apenas os ossos. Então, nesse
dia, o filho retirava a ossada de seu pai, colocando-a delicadamente num
pequeno caixão de pedra (conhecido como ossuário) e, somente aí, tinha-se
finalmente completado o “sepultamento”, isto é, vários meses após a morte do
indivíduo.
Com esse pano de fundo trazido dos estudos arqueológicos o
diálogo de Jesus com aquele jovem passa a ter outra dimensão. Esclarece-se a
questão e torna o texto mais compreensivo e agradável de se ler.
È curioso como a Bíblia – evidentemente usando uma figura de
linguagem – descreve a teimosia do rei do Egito com a idéia de que Deus
endureceu (literalmente “petrificou”) o coração de Faraó. O estudo das línguas
orientais mostra que Deus muitas vezes é colocado como autor daquilo que Ele na
verdade apenas tolera. É um limite do idioma e nada mais. Nós também temos as
mesmas limitações em nossa língua pátria: quando dizemos a alguém “vá com Deus”
ou “que o Senhor te acompanhe” não estamos com isso negando a onipresença do
Altíssimo como se Ele precisasse “ir” a um lugar onde já não estivesse. Também
não estamos de maneira nenhuma nos matando quando dizemos: “Estou morto (isto
é, cansado)!”
A idéia de um faraó de coração duro pode ser ainda mais
esclarecida se atentarmos para o fato de que o estudo de várias múmias revelou
o estranho costume egípcio de colocar dentro do corpo mumificado um escaravelho
de pedra bem no lugar do coração. Esse amuleto servia ao defunto como uma
espécie de salvo conduto no juízo final perante Osíris. Um coração normal (que
era pesado na balança da deusa Ma’at) poderia denunciar os seus pecados
fazendo-o perder um lugar no paraíso. Mas um coração de pedra, enganaria os
deuses. Ocultaria os erros que ele cometeu garantindo-lhe o paraíso, mesmo que
houvesse levado uma vida de constantes pecados. Ter, portanto, um coração duro
(ou “de pedra”) era para Faraó a certeza de uma salvação forjada à custa do
engano dos deuses! Daí a forma irônica e eufemística de dizer: “Deus endureceu
o coração de faraó”.
Arqueologia do Antigo Testamento
Estes são alguns dos principais achados alusivos ao Antigo
Testamento:
1 – Leis mesopotâmicas – uma coleção de várias leis datadas
do terceiro e segundo milênios antes de Cristo que ilustram em muitos detalhes
o período patriarcal. O conhecido código de Hamurabi (c. 1750 a.C.) é uma
delas.
2 – Papiro de Ipwer – trata-se da oração sacerdotal de um
certo egípcio chamado Ipwer que reclama junto ao deus Horus as desgraças que
assolavam o Egito. Entre elas ele menciona o Nilo se tornando em sangue, a
escuridão cobrindo a terra, os animais morrendo no pasto e outros elementos que
lembram muito de perto as pragas mencionadas no Êxodo.
3 – Estela de Merneptah – uma coluna comemorativa escrita
por volta de 1207 a.C. que conta as conquistas militares do faraó Merneptah. É
a mais antiga menção do nome “Israel” fora da Bíblia. Alguns céticos insistem
em negar a história dos Juízes dizendo que Israel não existia como nação
naqueles dias. Porém, a Estela de Merneptah desmente essa afirmação ao
mencionar Israel entre os inimigos do Egito.
4 – Textos de Balaão – fragmentos de escrita aramaica foram
encontrados em Tell Deir Allá (provavelmente a cidade bíblica de Sucote).
Juntos eles trazem um episódio na vida de “Balaão filho de Beor” – o mesmo
Balaão de Números 22. Os textos ainda descreviam uma de suas visões, indicando
que os cananitas mantiveram lembrança desse profeta.
5 – Estela de Tel Dã – outra placa comemorativa, desta vez
da conquista militar da Síria sobre a região de Dã. Encontrada em meio aos
escombros do sítio arqueológico, a inscrição trazia de modo bem legível a
expressão “casa de Davi” que poderia ser uma referência ao templo ou à família
real. Porém o mais importante é que mencionava pela primeira vez fora da Bíblia
o nome de Davi, indicando que este fora um personagem real.
6 – Obelisco negro e prisma de Taylor – Estes artefatos
mostram duas derrotas militares de Israel. O primeiro traz o desenho do rei Jeú
prostrado diante de Salmanazar III oferecendo tributo e o segundo descreve o
cerco de Senaqueribe a Jerusalém, citando textualmente o confinamento do rei
Ezequias.
7 – Inscrição de Siloé –
encontrada acidentalmente por algumas crianças que nadavam no tanque de
Siloé, essa antiga inscrição hebraica marca a comemoração do término do túnel
construído pelo rei Hezequias, conforme o relato de II Crônicas 32:2-4.
Arqueologia do Novo Testamento
Estes são alguns dos principais achados alusivos ao Novo
Testamento:
1 – Ossuários de Caifás e (possivelmente) Tiago irmão de
Jesus – Alguns ossuários costumavam trazer uma inscrição com o nome da pessoa
que estaria ali. Sendo assim, dois ossuários chamaram a atenção dos
arqueólogos. O primeiro foi encontrado em 1990 e legitimado como sendo do mesmo
Caifás mencionado em Mateus 26 e João 18. Já o segundo, cuja autenticidade é
disputada entre os especialistas, pertenceria a Tiago, um dos irmãos de Jesus
conforme o texto de Mateus 13:55. Caso se demonstre verdadeiro, este ossuário
será a mais antiga menção do nome de Jesus que temos notícia.
2 – O esqueleto do crucificado – Um outro ossuário encontrado
em 1968 revelou a ossada de um certo Yehohanan (“João” em aramaico) que morrera
crucificado. Seu calcanhar ainda trazia um pedaço torcido do prego romano. Esse
foi o único exemplar de um crucificado de que temos notícia. Graças ao seu
estudo foi possível levantar importantes detalhes sobre os modos de crucifixão
usados no tempo de Cristo.
3 – Inscrição de Pilatos – Uma placa comemorativa encontrada
em Cesaréia Marítima no ano de 1962 revelou o nome de Pilatos como prefeito da
Judéia. Antes disso, sua existência histórica era questionada pelos céticos.
4 – Cafarnaum – A cidade onde Jesus morou foi escavada e
preservada para visitação. Ali é possível se ver os restos de uma sinagoga e
uma igreja bizantinas que foram respectivamente construídas sobre a sinagoga
dos dias de Jesus e a casa de Pedro, o líder dos doze apóstolos.
Qumran e os Manuscritos do Mar Morto
Um isolado sítio arqueológico foi acidentalmente descoberto
por um garoto beduíno em 1947, nas redondezas do Mar Morto junto ao deserto da
Judéia. Ali podem ser vistas as ruínas de Khirbet Qumran onde, segundo a
opinião de muitos, viveram os antigos essênios, uma facção religiosa judaica
que rompera com o partido sacerdotal de Jerusalém.
Mas o achado do garoto foi ainda mais surpreendente. Ele descobriu
numa das grutas locais antigas cópias do Antigo Testamento e outros livros
judaicos que estavam guardados por quase dois mil anos.
Juntos esses manuscritos (advindos de pelo menos 11
cavernas) formavam uma enorme biblioteca de textos inteiros ou fragmentados que
contextualizam o judaísmo dos dias de Cristo. E mais, ajudam a estabelecer a
confiança na transmissão texto bíblico, uma vez que não possuímos nenhum dos
originais que saíram das mãos dos profetas.
Ocorre que, até ao achado dos manuscritos do Mar Morto, as
cópias hebraicas mais antigas da Bíblia datavam do século 10 d.C., ou seja,
mais de mil anos depois da produção do último livro vétero-testamentário. E que
certeza teríamos, além da fé, de que não houve alterações substanciais no
texto? Sendo assim, o achado de Qumran foi bastante providencial pois
proveu-nos de cópias da Bíblia Hebraica que datavam de até 250 a.C..
Quando essas cópias foram comparadas ao texto hebraico
massorético (aquele tardio sobre o qual baseavam-se as traduções modernas)
demonstrou-se claramente que elas confirmavam a fidedignidade da versão que
possuíamos. Se a Bíblia tivesse sido drasticamente alterada ao longo dos
séculos, os Manuscritos do Mar Morto demonstrariam isso pois, afinal, foram
produzidos antes mesmo do surgimento do cristianismo.
O achado de Qumran, pois, constitui a maior descoberta
bíblica de todos os tempos.
Conclusão
Certa vez ao entrar glorioso em Jerusalém, Jesus declarou em
meio à multidão que ainda que os filhos se calassem, as próprias pedras
clamariam (Lc 19:40). Por que não poderíamos ver na arqueologia um cumprimento
destas palavras? De uma maneira silenciosa, porém bastante ativa, pedras, cacos
de cerâmica, restos de fortalezas e antigos manuscritos clamam que a história é
verdadeira, que Deus é tão real que quase dá para tocá-lo.
A arqueologia é certamente um presente do céu aos crentes.
Seu conhecimento é uma excelente ferramenta na compreensão, no estudo e na
proclamação da Palavra de Deus!
Fonte:http://novotempo.com/evidencias/2011/04/01/a-arqueologia-e-a-biblia/
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